“Uma mulher caminha despreocupadamente pela rua, à noite. De repente, um monstro, parecido com um morto-vivo, avança rapidamente em sua direção, e...”
– Interrompemos a nossa programação para um anúncio importante: devido a problemas estruturais em suas instalações, as empresas que fornecem os serviços de água e luz irão interromper as suas distribuições por um prazo mínimo de 40 horas, para reparo emergencial de suas estruturas. Esse blecaute deve começar em mais ou menos quinze minutos, e atingirá a cidade inteira. Contamos com a colaboração de todos.
– Que merda! Só faltava essa!
Gustavo não gostou da notícia. Esse homem esguio é famoso por não ter muita paciência, apesar da pouca idade – apenas vinte e seis anos. Pega o controle remoto, e desliga a TV. Passa a mão em seus curtos cabelos pretos, se levanta da poltrona, e vai tomar um copo de água na cozinha. Ao ligar a torneira, não surgiu uma gota de água sequer. Apenas um ruído oco e sem vida, vindo dos canos vazios. Abriu a geladeira, e a garrafa de água gelada também estava vazia.
– Puta merda... Vou ter que ir buscar!
O esquentadinho pega a garrafa vazia, a mesma que estava na geladeira, e sai de sua casa. Uma vez no espaçoso quintal, ele se direciona para os fundos de sua residência, passando pelo canteiro de rosas que a sua mulher e filhinha cultivam. Elas estão viajando. Sua mulher, Joana, e sua filha, Mariana, foram visitar a velha e gorda Conceição, sua maldita sogra. Ele realmente a odeia, por isso não quis ir junto.
Mas está sentindo falta das duas.
Continua caminhado, e chega ao poço. Uma construção velha, de concreto e madeira, na qual havia instalado uma tampa, um balde, uma cordinha e uma roldana. Abre a tampa do poço e, usando a corda, desce o velho balde de madeira até o fundo, para pegar um pouco de água.
Quando sente que o balde encheu-se completamente, ele puxa-o de volta à superfície. Ao que o recipiente vem à tona, um espanto:
– Mas que diabos é isso?!
Ele não conseguia acreditar no que via: o balde estava cheio de sangue! E esse sangue borbulhava, como se estivesse fervendo. Inclinou-se – sem esconder sua estranha expressão, um misto de asco e medo – para olhar dentro do balde com mais atenção.
Nesse momento, um braço apodrecido, como se fosse o braço de um zumbi, surgiu de dentro do pequeno recipiente e o puxou para dentro do poço, quase que instantaneamente.
Gustavo gritou assustado enquanto caia.
Apesar de ser noite, a sutil luz da lua cheia amenizava a escuridão. Avançou por cerca de uns dez metros, quando chegou ao nível de onde deveria estar a água... Mas, assim como o balde, o poço estava cheio do mesmo sangue borbulhante. Impulsionado pela força da gravidade, o homem mergulhou nesse sangue, que surpreendentemente, é frio como gelo.
Frio como a morte.
Ao que imergiu na superfície do líquido, seu pavor aumentou. Por baixo da película inicial, não havia nada. Nem sangue, nem água, nem nada. Só havia espinhos de metal, lanças pontiagudas que brotavam das paredes, como as projeções agudas dentro de uma Donzela de Ferro.
Esses espinhos feriram o seu corpo superficialmente, mas dilaceram a sua carne no braço esquerdo. Este ficou quase sem a pele, com diversos pontos nos quais os ossos foram expostos. Ele olhou para seu braço, durante a queda vertiginosa. Estava tão destruído que, apesar do estado irreparável, já não doía. Os nervos já haviam sido arrancados dali. Mas o resto de seu corpo ardia em profunda agonia. Uma dor imensurável, que aumentava cada vez mais. A cada novo arranhão, a cada gota de seu sangue, que esvaia de seu corpo. Uma sensação tão apavorante, que turvava todos os seus sentidos, incapacitando-o de pensar em algo além da própria morte, que parecia ser um destino certo e iminente.
Em função da velocidade que sua queda alcançou, ele desmaiou.
Passa-se algum tempo. Um tempo tão ínfimo ou tão imensurável, de acordo com o ponto de vista que se toma – não que isso seja muito relevante para o rapaz neste momento.
Ele desperta.
Não sabe por quanto tempo ficou desacordado, mas sabe que chegou ao fundo do poço. Milagrosamente sobreviveu. Só não sabe como. Se bem que isso pouco importava no momento. Estava encharcado, e no meio de um rio de sangue. Tratou de ficar de pé e arrancar um pedaço da camiseta azul que usava. Com a tira de tecido, ele faz um curativo improvisado no seu braço destruído, tentando estancar o próprio sangue. Uma vez que seu braço esquerdo parou de sangrar por causa dos primeiros-socorros precários que efetuou, ele tenta ficar calmo e raciocinar. Observa o lugar onde está: era um tipo de câmara abobadada, que fica no meio de um rio de sangue – provavelmente, nas profundezas da Terra.
Essa câmara era atravessada por um corredor, cujas extremidades seguiam em direções opostas, pelos quais corria o rio de sangue. Ao redor, tochas iluminavam toda a extensão do corredor, em ambas as direções. As tochas também circulavam a abóbada. Tudo era escavado em rocha pura, como se fosse uma caverna formada naturalmente.
Observando o fluxo do rio, ele decide seguir a mesma direção que a frágil e rasa correnteza. Já que todo o solo é preenchido pelo rio, ele não tem outra saída além de caminhar entre o sangue, cujo nível quase alcança seus joelhos.
Enquanto caminha, avista uma escada ao longe, na lateral direita do túnel. Caminha rapidamente na direção dela, e quando se aproxima, consegue vê-la com detalhes.
E, ao ser acometido pela tenebrosa visão, ele não consegue conter o pavor, e grita desesperado:
– Meu Deus! Que diabos está acontecendo aqui?!
A escadaria seguia para o alto, e o seu fim não era possível de se ver. Talvez fosse a saída – ou a porta para o Inferno.
A visão de sua estrutura era apavorante: Toda feita de ossos humanos! Fêmures e costelas formavam os degraus, crânios e colunas vertebrais formavam os corrimões. Ela é toda respingada de sangue, e adornada com outros ossos menores, formando requintados detalhes, todos grotescos e macabros.
Por ser a única saída aparente, Gustavo engole todo o seu pavor e sobe por ela, degrau a degrau, temendo o que ele poderá encontrar no topo.
Após um lance de mais ou menos cento e setenta degraus – todos alinhados em fileira única – ele alcança o topo da escada: finalmente estava fora do subsolo, e havia chegado a uma área aberta. Só que, ao olhar o panorama, questionou-se imediatamente se não deveria voltar para dentro do túnel.
O lugar era um amplo e amedrontador cemitério, repleto de estátuas e túmulos imensos, extremamente detalhados. Havia uma clara névoa, que não atrapalhava a visão, mas aumentava a aura demoníaca do lugar. O topo da escada – a qual subiu – terminava dentro de um mausoléu, em uma passagem no chão, ao lado de um caixão imenso – que parecia mais um sarcófago. A estrutura é toda adornada com colunas gregas, similares aos templos helenísticos. E o piso é de um puro mármore branco. Provavelmente, aquele deveria ser o túmulo de alguém muito rico.
Enchendo-se de coragem, ele avança os seus primeiros passos para fora do mausoléu no qual ele saiu. Planeja encontrar a saída daquele lugar e pedir ajuda.
Ele sempre foi um homem descrente, mas nesse momento, estava rezando para que Deus o salvasse – que irônico o fato dele descobrir a religião quando a morte parece certa, não acha?
Ele caminha por entre os sepulcros, até chegar ao que aparenta ser o corredor principal do cemitério. Olhando para um dos lados, ele enxerga um imenso portão feito de grades douradas. Provavelmente, deve ser a saída desse local.
O silêncio do cemitério tornou-se perturbador. Era como se fosse o réquiem de seu próprio funeral. O seu pavor aumenta de tal forma, que ele começa a correr desesperadamente, em direção as grades, querendo fugir de seu pesadelo.
Quando mais se aproxima do portão de ferro, mais distante ele parece estar. Isso fez seu pavor aumentar ainda mais.
Ouve-se um gemido. Gustavo olha para trás, e vê que uma legião incontável de cadáveres apodrecidos o estava seguindo.
O Pânico toma conta de todo o seu ser.
Ele corre, na direção de onde estava os portões dourados, tentando fugir daquele tormento. Os mortos-vivos que o seguiam eram lentos, mas não cessavam a perseguição. Gustavo temia ser o próximo adorno da escada de ossos pela qual subiu.
Mas, para seu total desespero, a sua fuga não teve êxito: do nada, surgiu um muro em sua frente, que era alto e liso o bastante para não ser possível escalar.
Vira-se desajeitadamente para a direita e começa a correr, quando algo lhe chama a atenção. Ele para imediatamente: dois túmulos, onde estavam as fotos de sua filha, Mariana, e de sua esposa, Joana. Ele se ajoelha, põe as duas mãos na cabeça, e grita, desesperadamente:
– Não, meu Deus! Não, não, não, não, não!!!!!!!!!! Mariana! Joana! Nããããooo!!!
Nesse momento, os zumbis alcançam Gustavo. Eles o cercam, e...
– Aaahhh!
Gustavo desperta em sua poltrona, desesperado, e se levanta com um salto.
Olha ao redor, e percebe que foi tudo um sonho.
– Putz, minha nossa! – Ele disse, enquanto coçou a nuca com a mão direita.
Uma voz feminina, suave e encantadora, é ouvida na cozinha:
– Querido, o jantar está na mesa.
– Joana?!
Gustavo segue até a cozinha, quando de repente...
– Hoje é um prato especial, amor! Espero que goste!
Sua mulher estava coberta de sangue, com uma faca atravessada na cabeça, pelas têmporas. Ela segurava uma bandeja, onde estava a cabeça putrefata de sua filha.
Ele Grita:
– AAAAHHHHH!!!!!
Novamente desperta. Mas agora, ele continua apavorado.
O pobre homem está preso em um eterno pesadelo, em algum lugar no limiar que divide o real e o ilusório. Um lugar onde o terror é única certeza. E a morte é um privilégio que ele não merecerá...
Show!
ResponderExcluirObrigado :)
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